Eu, você e nossa individualidade: descubra por que ela é tão importante para os relacionamentos
Viver sob o mesmo teto, na saúde e na doença, exige muito mais que amor. No modelo contemporâneo de convívio, há cada vez mais espaço para a individualidade – o casal não precisa ser aquele “grude” o tempo inteiro. Ainda bem
Reportagem: Débora Didonê – Edição: Amanda Zacarkim
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O amor continua sendo lindo, mas é cada vez mais raro abrir mão do que se gosta em nome dele. Os casais começam a descobrir que respeitar de verdade gostos pessoais, manias, idiossincrasias – a tal singularidade – é cada vez mais uma peça importante no mecanismo que faz o casamento realmente funcionar.
Um e um são três
Estamos em tempos de ênfase ao individualismo. Um casal não foge à regra: é a soma de olhares de dois seres únicos. No estudo Casamento Contemporâneo: o Difícil Convívio da Individualidade com a Conjugalidade, da PUC-RJ, a especialista em terapia familiar e de casal Terezinha Féres-Carneiro afirma que, na lógica do matrimônio, um e um são três. A relação é determinada por dois sujeitos, duas percepções de mundo e dois projetos de vida que convivem com uma relação amorosa, uma identidade conjugal e um projeto de vida do casamento. Para Terezinha, aí está todo o fascínio e toda a dificuldade de ser casal hoje em dia. Não por nada, os casórios rareiam e os divórcios crescem. “Um casamento no Brasil dura em média dez anos porque, em geral, as pessoas não se aprofundam uma na outra”, diz a terapeuta de casais Cláudya Toledo. Ser solteiro vira uma opção de vida exatamente pela sensação de liberdade, de ser o dono do próprio nariz. Para um casal criar um modelo único de convívio, com espaço para cada personalidade expressar o que sente, é preciso tempo e energia. Afinal, sentir que você se encaixa com alguém que admira muito soa como uma ameaça à própria identidade, já que você vai compartilhar com a pessoa momentos de uma vida que era só sua. “Tem gente que não tem paciência porque realmente dá trabalho. Mas vale a pena pelo amadurecimento, a amizade, o suporte emocional, os momentos engraçados, a nova percepção do mundo. Vale a pena pela história que você vive”, diz Marjorie.
De fato, o ser humano não nasceu para viver só. Por isso, as amizades. Com os amigos, acima de tudo, trocamos ideias. Segundo o psiquiatra Flávio Gikovate, em Uma História do Amor… com Final Feliz, nossos camaradas nos garantem um aconchego intelectual. O amor é diferente. Diz respeito à necessidade de ter de volta o colo materno, uma referência que fica registrada em nosso subconsciente. Com o passar dos anos e a manifestação mais intensa da sexualidade, essa sensação volta a definir as relações de um adulto.
“Mesmo quando mal conhecemos a pessoa escolhida, passamos a nutrir por ela um sentimento parecido com o que tínhamos por nossa mãe”, escreve Gikovate. Conquistado, o amor não satisfaz completamente. É como quando éramos crianças: ficar no colo da mãe era gostoso, mas significava parar de brincar e de fazer também o que nos dava na telha.
Mas quem é que consegue satisfazer todas as vontades ao lado da mesma pessoa o tempo inteiro? “Acontece que a vida prática mudou muito. E, com ela, as motivações. Os casais estão juntos, mais do que tudo, para curtir a vida, para o convívio prazeroso e os projetos de vida mais voltados a atividades lúdicas. As diferenças passam a ser importante fator de irritação, ao passo que as afinidades se tornam muito mais interessantes”, escreve o psiquiatra. Essa memória conjunta de vivências dá sentido à vida.
Os amigos por perto
Muita gente diz que é preciso amar a si mesmo para então amar o outro. Talvez não seja bem por aí. Gikovate descreve o amor como algo interpessoal. “É o sentimento que temos por quem nos provoca sensação de paz e aconchego”, afirma em seu livro. Antes de entrar de cabeça em uma relação, cada um deve ter em mente em que pé está sua autoestima – que, para o psiquiatra, equivale a um juízo de valor, e não a um sentimento. “É uma espécie de nota que damos a nós mesmos – em geral, nota equivocada para menos”. Por isso, deposita-se tanto no outro a expectativa de curar os próprios traumas, medos e desânimo. Mas também se cometem erros do outro lado. Achar bonitinha a carência rotineira do parceiro pode ser um grande problema. “É comum falar que esse é um defeito charmoso do outro, até que o tédio se instala no casamento”, afirma Thiago de Almeida, psicólogo especializado em dificuldades de relacionamento amoroso. Para Cláudya Toledo, não há mais espaço no casamento para pessoas que não sejam autossuficientes. “Ninguém deixa ninguém triste ou alegre. Essa questão é individual. Se estou mal, não vou chegar aos farrapos em casa para que meu parceiro me conserte.Vou fazer ioga, caminhar na praça, qualquer coisa que me faça bem. Ou vou debilitar o casamento”, diz.
Segundo a psicóloga Denise Gimenez Ramos, estar com os amigos no mundo moderno é vital para o equilíbrio emocional. “O casal que se fecha entra em rota de colisão. Ter privacidade com os amigos para falar bobagem é importante, até porque as amizades perduram muito mais que o casamento”, diz ela. Ao mesmo tempo, o espaço conquistado pela mulher no casamento propõe o ideal de igualdade. “No passado, era normal a mulher seguir em tudo as forças as decisões do marido. Hoje, os homens reconhecem sua realização pessoal, seu êxito profissional, suas qualidades, que a distinguem dele”, afirma o consultor Vital Didonet, de Brasília, que completou 25 anos de casamento em 2008. Isso inclui a liberdade individual, essencial a todos em uma relação.
Detalhes de nós dois
Na hora de juntar os trapos, ter ajuda para botar a casa em ordem também é crucial para o bom convívio e, sem dúvida, mexe com o jeito de ser de qualquer um. As fraquezas nunca vão deixar de aparecer. Afinal, somos humanos. Mas, quando um casal prioriza o respeito às singularidades, a dependência emocional dá lugar à amizade, ao erotismo e aos planos em comum, construídos pelo olhar que cada um lança na relação. “Os dois se apoiam, ajudam-se, fortalecem-se, consolam-se, mas sempre olhando para o que está adiante deles”, diz o consultor Didonet. Juntos, sim. Grudados, jamais.
Para saber mais
Uma História do Amor… com Final Feliz, Flávio Gikovate, MG
Eles São Simples, Elas São Complexas, Cláudya Toledo, Alaúde