Bruxas, Santas e Deusas

Bruxas, Santas e Deusas

Certamente muitas mulheres ao longo da história humana foram comparadas ou colocadas na posição de Bruxa, Santa ou Deusa. Os conhecimentos femininos e os segredos do corpo e da sexualidade feminina sempre foram um grande mistério para os homens de uma maneira geral.

Houve muitos relatos ao longo da história de “deusas, feiticeiras, bruxas, santas ou” que faziam coisas como trazer a lua quase ao chão ou ocultá-la dos olhos humanos ou praticar curas usando conhecimentos misteriosos, ou encantamentos diversos, saber dos ciclos da natureza e de certa maneira controlar os destinos do mundo social pelo contato com o mundo natural. A isso em alguns momentos chamado de feitiçaria, em outros de bruxaria, em outros ainda de xamanismo, também se deu o nome de medicina, astronomia, química e diversos outros nomes. Mas eram mulheres, o que numa sociedade patriarcal pode significar uma condenação ao esquecimento ou à perseguição.

Durante os séculos XV e XVII na Europa e nos EUA, por exemplo, a perseguição religiosa condenou à morte na fogueira uma quantidade enorme de mulheres. Uma das causas era o fundamentalismo cristão e uma leitura enviesada dos conceitos e práticas propostas ou entendidas como propostas pela Bíblia Cristã.
O grande número de mulheres acusadas de bruxaria se deve, em muitos aspectos ao papel social da mulher neste período histórico.

Qual era (e em muitos casos ainda é) o pensamento predominante na época sobre o papel da mulher? Gerar filhos, cria-los, viver seus afazeres domésticos e ser submissa ao homem, punidas pelo pecado de Eva. A sexualidade, portanto, era limitada, constrangida e relegada ao papel da procriação. Sentir prazer era condenável e dar prazer também. Tudo estava na Bíblia, ou não, o que é mais provável, nesta leitura e imposição religiosa recheada de preconceitos.

Não somente isso foi responsável pelas condenações dessas mulheres a uma morte horrível na fogueira, mas também uma rede de boatos, inveja, fofocas, intrigas e fake news, como dizemos hoje em dia.

Os motivos mais insignificantes poderiam ser objeto de uma condenação por uma justiça exclusivamente masculina e patriarcal, além de cristã radical em suas interpretações.

Embora a perseguição da mulher e a supressão do sagrado feminino não tenha sido uma invenção do Cristianismo, ele a levou a extremos durante a inquisição, quando a maioria das mulheres era condenada à morte e torturada sob argumentos, muitas vezes relacionados com a sexualidade, num frenesi que agora denomino “Pânico de Eva”.

A primeira mulher (Eva ou a mãe de todos os humanos) e o pecado, se encontraram nas escrituras judaico cristãs do velho testamento, em interpretações tortas, que desconstruíram a imagem da mulher, fizeram uma folclorização da figura das Deusas, condenaram a sexualidade, e levaram a figura feminina à uma imagem distorcida de submissão, configurada na imagem de Maria.

Segundo a visão da igreja, Eva nos condena (quando escolhe a sexualidade e a vida), Maria nos redime (quando se anula como mulher e olha para baixo, para os mortos). A sexualidade e a potência feminina nos condena, a submissão ao homem e a passividade nos redime.

Eva foi a primeira mulher e que deu origem aos demais seres humanos. Ela assumiu seu papel de protagonista, trazendo a si a responsabilidade de viver e buscar sua felicidade, para além dos muros da prisão social e das regras impostas descritas no conto hebraico do Gênese.

A tradução de Adão como “homem” no início da história do Éden pode ser contestada. A palavra hebraica adam pode de fato significar um homem e até mesmo ser o nome próprio de Adão; mas também pode ser um termo genérico para um mortal ou ser humano. Esse pode ser o caso aqui, de acordo com algumas leituras feministas atuais da linguagem inclusiva bíblica, bem como alguns comentários judaicos medievais, implicando assim que o ser humano original era andrógino e que Deus teve que dividi-lo em dois seres de gêneros diferentes para a procriação e continuação da vida humana.

Também a noção de pecado em Eva pode e deve ser contestada. Algumas tradições cristãs e judaicas consideram ou ambos pecadores ou nenhum deles, pois a palavra pecado surge originalmente a partir do fratricídio de Abel por Caím. O erro de ambos seria o da desobediência. O Islamismo considera ambos errados em igual medida.

Embora as análises e estudos bíblicos possam e devam ser revistos quanto a estas interpretações patriarcais, são elas que acabam prevalecendo e definindo Eva como pecadora.

Esse pânico cristão com Eva, é, nitidamente, o medo do poder e dos segredos que se escondem no corpo e na alma das mulheres. Mulheres como Eva pecam, homens como Adão se omitem.

O Patriarcado Cristão mostrou suas garras desde o Concílio de Hipona, também conhecido como Sínodo de Hipona Regia, foi um concílio regional africano da Igreja Católica, realizado em 393, no qual foi estabelecido o Cânon bíblico, ou seja, quais escrituras deveriam ser eleitas como divinas e mensagens de Deus e compor a Bíblia e quais não deveriam. Este Sínodo seguiu exemplos de concílios judaicos que, também, escolheram quais livros comporiam o velho testamento. Foi um momento de definição do que vemos hoje como Bíblia judaico cristã.

Excluía-se do Novo Testamento, por exemplo, diversos evangelhos (conhecidos como Apócrifos) como de Maria, de Maria Madalena, de Judas e outros, muitos dos quais falavam de um Jesus humanizado e destacavam o papel de Maria Madalena como esposa de Jesus e de mulheres como seguidoras e protagonistas da história de origem do Cristianismo.

Continuando nossa argumentação, a Inquisição foi um processo que aconteceu dentro da igreja católica a partir do século XIII, quando foi criada para combater as heresias contra a fé católica, como o Catarismo (Movimento dos Cátaros, grupo cristão do sul da França). A Inquisição serviu posteriormente para atacar tudo que pudesse se contrapor à fé cristã e aos interesses da igreja.

Os inquisidores eram normalmente da Ordem Dominicana, que dominava a estrutura do Tribunal do Santo Ofício. Diversos nomes foram dados à essa estrutura jurídica e punitiva da igreja durante os anos: Tribunal do Santo Ofício, Santa Inquisição, Sacra Congregação do Santo Ofício e hoje, ainda existe sob o nome de Congregação para a Doutrina da Fé.

A obra Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas) do padre alemão Heinrich Santiago Kraemer (1430-1505), se tornou um marco da perseguição feminina, e embora tenha sido criticado por autoridades católicas, acabou se tornando uma referência para católicos e protestantes, e foi amplamente utilizado como obra de referência para inquisidores.

Aproveitando-se da criação do equipamento que permitiu a impressão em massa de livros por Johannes Gutenberg, houve uma ampliação do acesso ao livro, o que permitiu uma ampla divulgação dos métodos de tortura e práticas violentas propostas por Kraemer, para que as “hereges” confessassem seus crimes contra a fé e contra os homens. Kraemer preconizava que apenas mulheres eram bruxas, demonizava a sensualidade e a sexualidade.

A coisificação do feminino e do sagrado feminino que envolve os conhecimentos tradicionais das mulheres, tornou o Malleus Maleficarum, uma obra ao gosto popular, por envolver sexo, dor, tortura.

Os auto de fé da Inquisição e os julgamentos, torturas e execuções se tornaram espetáculos públicos que eram apreciados por um povo sedento de experiências sádicas diante de uma modorrenta vida cristã, ao mesmo tempo em que serviam de ensinamento do que poderia acontecer com qualquer um que fosse denunciado aos Tribunais do Santo Ofício. Era, portanto, um processo de educação cristã doloroso e sádico, que visava suprimir os atributos do feminino.

Este processo de consolidação do Patriarcado Cristão, por meio da violência e supressão, no entanto, não conseguiu destruir as bases do sagrado feminino.

Mesmo dentro deste movimento do Cristianismo podemos perceber um afloramento, em diversos momentos, da força feminina, que a máquina cristã não podendo controlar, tenta se apropriar criando as “Santas”, muitas delas, em sua época, relacionadas com a sexualidade sagrada, com a cura da impotência com ervas e tratamentos (como Hildegard von Bingen) ou que foram aceitas, ou toleradas por suas visões místicas e suas praticas curativas que eram de interesse de Papas, Bispos e religiosos.

Catarina de Siena por exemplo, tinha transes místicos em que relatava ser esposa (carnal) de Jesus e usar como anel o seu prepúcio. Catarina foi, após sua morte, decapitada e teve a cabeça enterrada em Siena e o corpo em Roma, justamente na Igreja de Santa Maria Sopra Minerva, um ícone do processo de sucessivas supressões do Sagrado Feminino e sede de Dominicanos e da Inquisição.

Notamos então, que Catarina de Siena ficou com a cabeça enterrada no campo sagrado (Cidade e campo amoroso onde nasceu, berço de sua família e de sua espiritualidade). Já seu corpo, foi enterrado na sede da inquisição, onde o profano habita e onde se determinou a morte por fogueira de milhares de mulheres. Seria uma forma de mostrar a força do patriarcado e da estrutura de torturas da igreja católica?

Podemos entender muitas dessas mulheres, como afloramentos do sagrado feminino, dentro da estrutura poderosa do Cristianismo, que mesmo assim, e apesar de tudo, sobreviveram como pequenas plantas no deserto.

Falamos um pouco sobre o Cristianismo, mas a supressão do feminino está estruturada em todas as maiores religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), que se unificam na questão do DEUS único e masculino, predominante em suas decisões e sob o jugo do qual estão as consciências e as vidas humanas, assim como os seus destinos.

Uma breve pesquisa nos mostrou, que existe, na história humana, a questão de sincretismo da fé, ou seja, de misturas das crenças, nos encontros entre os povos.

Isso se dá pela cultura, por aspectos econômicos e sociais, pelo amor e pela dor, como por exemplo com as histórias de amor ou com as conquistas dos exércitos. Ou mesmo pode se dar por um mix disso tudo.

É normal a simbiose religiosa e a apropriação e mudança de certos atributos de Deusas e Deuses, na conjunção cósmica e espiritual desses encontros. É fato também que isso foi usado pelos povos antigos e mesmo atuais, como instrumento de dominação e distorção da cultura anterior ou subjugada no momento deste encontro. Um exemplo clássico são as Deusas e Deuses Gregos e Romanos.

O que se torna visível neste processo de mudanças de atributos divinos, de nomes e de funções dessas Deusas e Deuses é que os Deuses masculinos se fundem no Deus único e todo poderoso. As Deusas por sua vez são relegadas à condição de folclore ou simplesmente soterradas no mais obscuro canto da memória humana, para que de lá não saiam, senão como brincadeiras de crianças e mitos.

A boa notícia é que o Patriarcado não consegue controlar totalmente o feminino. Mulheres são bruxas e feiticeiras sim. Mulheres são Santas e Profanas sim. Mulheres são deusas sim.

O resgate do sagrado feminino e das deusas está apenas começando. Elas estão bem ali, no meio do cosmos social e dentro do mais íntimo lugar da alma e do corpo de homens e mulheres, elas são a nossa metade feminina. Elas voltaram dentro de nós.

Desenvolvo a 30 anos um trabalho de empoderamento feminino e de resgate do sagrado feminino com as Deusas Divinas, mulheres que representam Deusas da Antiguidade e resgatam seus atributos, ao representá-las em nosso tempo.
Venha conhecer o Deusas Divinas e nossos encontros de resgate do sagrado feminino. Saiba mais no vídeo abaixo.

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