Em busca da donzela perdida
Texto: Débora Rubin, de São Paulo |24 de fevereiro de 2012
Cursos, livros e terapias pretendem ensinar as mulheres a ser… mulheres. Será que precisa?
Cinco mil mulheres já passaram pelo treinamento intensivo “Deusa Divina”. O nome do workshop da empresária Cláudya Toledo, dona da agência de matrimônios A2 Encontros, que também é conhecida como “a maior cupido do Brasil” ou ainda “terapeuta do amor”, dá uma pista do conteúdo dos três dias de treinamento. Internadas em um sítio, sem presença masculina, guiadas pela própria Cláudya, elas aprendem a buscar, em si mesmas, a deusa que existe dentro de cada ser do sexo feminino. “Ensino rituais para retomarmos a nossa essência”, sintetiza a mestra. São três dias de trabalhos. No primeiro, elimina-se o lixo emocional, como os rancores e as mágoas. No segundo, aprende-se, ou melhor, reaprende-se a andar, a se vestir e até a se maquiar. No terceiro, as alunas percebem que já existe um outro grau de consciência e, voilá!, uma nova mulher surge. O workshop, que custa R$ 1800, não é o único do gênero. Surgem cada vez mais cursos, palestras, especialistas e livros ensinando as mulheres a serem… mulheres. E, em geral, com um objetivo claro: conquistar homens.
E por que as mulheres estariam investindo tempo e dinheiro para descobrir como ser aquilo que já são? Porque elas “viraram homens”, segundo a mentora do workshop acima. Com 20 anos de experiência em juntar pares, Cláudya começou a perceber que a mulher, ao se masculinizar para conseguir espaço no mercado de trabalho, acaba levando esse mesmo comportamento para o campo das afetividades, assustando os homens que, a despeito de anos de evolução e revolução sexual, continuam preferindo as mulheres mais frágeis – segundo a teoria da terapeuta do amor.
“As mulheres estão muito yang (energia masculina, segundo a filosofia chinesa), fortes, ricas, mentais, e morrem de medo de ser fêmeas”,
conclui. É preciso que elas também sejam amorosas, confiáveis e sociáveis – características que os homens buscam nas mulheres. “Mas isso não quer dizer que eu defenda que a mulher deva ser burra e submissa, longe disso”, esclarece Cláudya. Com suas teorias, a empresária-terapeuta ganhou algumas inimigas feministas pela internet. Ela é criticada por estar propondo um retrocesso após anos de conquistas árduas. O mesmo tem acontecido com a socióloga britânica Catherine Hakim, autora do recém-lançado Honey Money: the Power of Capital Erotic (algo como Doce Dinheiro: o Poder do Capital Erótico), que será traduzido no Brasil em 2012 pela editora Record. Ao pregar que existe uma demanda de sexo muito maior por parte dos homens que das mulheres, e que estas deveriam tirar maior proveito disso investindo no capital erótico, Catherine foi tachada de sexista e retrógrada. Para ela, o capital erótico – uma equação perfeita de beleza, sensualidade, vivacidade, sexualidade, vaidade e habilidades sociais – é tão importante quanto os outros três capitais disseminados intensamente hoje em dia: o econômico, o social e o humano. O primeiro tem a ver com o dinheiro que se ganha, o segundo com o famoso networking, ou seja, a rede social que cada um constrói. E o último, com tudo aquilo que aprendemos ao longoda vida. “O retorno financeiro do capital erótico é tão grande ou até maior que os dos demais”, argumenta em seu livro. Para a inglesa, o capital erótico deve ser usado no trabalho. Para a empresária brasileira Cláudya, na conquista de um par.
Há quem discorde completamente da teoria de que a mulher morreu ou de que não sabe usar bem seu capital erótico. Ao menos em solo nacional.
“Em 23 anos de pesquisas sobre mulheres brasileiras, não encontrei essa mulher que se masculinizou ou virou homem”, contra-argumenta a antropóloga Mirian Goldenberg, autora de O Corpo como Capital e do recém-lançado Corpo, Envelhecimento e Felicidade. “Pelo contrário, o que percebo é que, apesar da entrada da mulher no mercado de trabalho, a brasileira sempre investiu muitíssimo no corpo, na sexualidade e na feminilidade”. E fica frustradíssima quando não atrai os homens, complementa a antropóloga.
Afinal, como é essa mulher brasileira atual? Sexy ou masculina? Dócil ou dominadora? O fato é que a mulher, quando adulta, quer passar a imagem oposta àquela que lhe ensinaram ser a correta quando criança – a de frágil e compreensiva. Como se fosse um demérito ser mais sensível que os homens. Apesar das divergências entre as teóricas, uma coisa é certa: o sexo feminino está tentando achar seu novo papel, que são vários em um. E o homem, por tabela, também. “Acredito, sim, que as mulheres se masculinizaram para competir no mercado de trabalho, e isso acaba refletindo na vida em geral”, opina o analista de sistemas Emílio Yamane, de 32 anos. “Mas também acho que os homens estão meio perdidos com essa ascensão das mulheres. Antes, era
tudo mais claro, o homem era provedor e a mulher cuidava da família.” O principal problema, para Yamane, não é a mulher estar menos feminina, mais bruta, mas continuar sofrendo da “síndrome da princesa”: quer príncipes em vez de homens.
Ter que ser o soldado que o mundo corporativo exige e a princesa que a sociedade ainda quer é de dar nó em qualquer alma de mulherzinha. Não é à toa que o gênero tem, agora, buscado os cursos e livros pró-feminino, dando de ombros aos preceitos já meio amarrotados do feminismo. “Acho uma grande bobagem essa história de ficar em pé de igualdade com os homens”, acredita a operária santista Giselle Motta, de 26 anos. “Não quero dizer com isso que sou contra a mulher trabalhar e ser bem sucedida profissionalmente, mas o feminismo exagerado faz com que a mulher perca um pouco da sua feminilidade sem perceber, e ainda fica sobrecarregada.” Ela reconhece que há coisas gostosas de se receber de um homem e que acabam sendo perdidas, como proteção, ajuda, cavalheirismo e segurança. “É possível ser independente e, ao mesmo tempo, se permitir ser cuidada e amada como todas nós merecemos ser.”
Nem Amélia, nem Madonna. Uma nova mulher, bem mais equilibrada, está para surgir. É o que acredita a terapeuta junguiana Fernanda Tonon. Para ela, tudo o que foi dito acima faz sentido: elas estão muito mais yang e, portanto, desequilibradas. E o homem, ao mesmo tempo que admira essa nova mulher forte, ainda espera aquela dócil e sensível. Para a terapeuta, recuperar a “face oculta da deusa” que há dentro de cada mulher traz uma sabedoria ancestral que pode ser fundamental para a busca desse equilíbrio.“O mundo precisa do feminino, as empresas estão doentes, as famílias estão abaladas e os ambientes estão embrutecidos”, diz Fernanda. “Só que estamos no meio do caos, da transição, e tudo está meio turvo. As mulheres estão rompendo com padrões, quebrando estruturas para descobrir seu novo lugar.”
Por que não, por exemplo, levar delicadeza às reuniões de trabalho? Por que não, questiona Fernanda, falar macio numa convenção de líderes do mundo todo? O que a mulher tem de melhor vai começar a aparecer também nos ambientes masculinizados, acredita ela. A diferença é que não é preciso retroceder para avançar. “Não precisamos voltar ao passado de submissão”, ressalta. Outra ressalva feita pela psicóloga é que nada disso precisa ser feito com a finalidade de buscar um par, mas, sim, para benefício próprio. “Relacionamentos são caminhos maravilhosos de autoconhecimento, mas, se entrar na condição do ‘tenho que ter’, significa que estamos reproduzindo os padrões antigos.” O que também configura um retrocesso.
A boa notícia é que estamos caminhando na direção certa. E talvez pagar caro – literalmente – para reaprender a ser mulher, faça parte dessa jornada. Afinal, como resume Fernanda: “Não é fácil ser menina nos tempos de hoje. Tarefa de mulherão. Mas vai valer a pena para todas nós”.
Fonte: Revista herbarium