Durante muitos períodos da História humana, as mulheres foram perseguidas, suprimidas, queimadas em fogueiras, violadas em seu corpo e seus direitos de ser, ir e vir. Perderam direito a sua imagem pública e privada, foram tratadas como um mal necessário à continuação da espécie humana. Foram martirizadas. Foram destronadas de suas divindades Mas por que?
O Patriarcado surge no horizonte desses eventos como uma bandeira sinalizadora de um processo milenar. É fato de que muitas sociedades agrárias eram matriarcais e existem inúmeras teses que falam dos processos que levaram ao fim do matriarcado e sua substituição pelo patriarcado. Na esteira desse processo estão a acumulação de poder, centralização, uso de força e militarização da sociedade, negação das ações comunitárias e culturais e introdução de divindades exclusivamente masculinas.
Até por uma questão física, normalmente quem defendia o espaço, partia para as guerras eram os homens, mesmo que com mulheres guerreiras envolvidas e muitas vezes simbolizadas à frente Mas para as mulheres cabia um papel muito importante que era cuidar do conhecimento, abrigar a cultura e a preservação das tradições, a ciência, as artes, a saúde e os cuidados do futuro geracional que eram os filhos. Portanto se ocupavam dos relacionamentos. O poder de gerar filhos e cuidar do futuro foi visto num certo momento, não como um dom, mas como uma ameaça. Quem tem o poder de perpetuar é a relação entre homem e mulher e a geração de filhos. Mas os vínculos relacionais com os filhos eram feitos só pela mulher, em seu tempo de gestação e nos cuidados com os filhos.
Conforme o tempo foi passando e os homens impunham um novo sistema, agora baseado na força física, no patriarcado e na hereditariedade dos homens e seus primogênitos, foi sendo tirado da mulher, não sem luta, o seu direito aos filhos e com ele o empoderamento. Foram suprimidas as Deusas, o poder da sexualidade sagrada e da gestação, e a mulher foi sendo colocada num patamar de coadjuvante do sagrado e da sociedade.
Não foi propriamente uma invenção do Cristianismo caçar e matar mulheres nas fogueiras da inquisição e da intolerância. Chamadas de bruxas, feiticeiras; vistas como um perigo para a harmonia da sociedade patriarcal (que num paradoxo, não existiria sem ela), foram perseguidas em antigas sociedade humanas como os Etruscos, Gregos, Romanos e tantos outros povos. Há relatos antigos de mulheres que detinham o conhecimento de trazer a lua para a terra e controlar os ciclos de produção agrícola. Deusa Luna.
Não por acaso a mulher vive ciclos quase que similares aos da Lua e esses ciclos de seca, umidade e de fertilidade, regem as possibilidades de prosperidade e de continuidade da vida. Os ciclos agrícolas até hoje são regidos por ciclos lunares. As marés são reguladas pela Lua. Em épocas antigas, deter o conhecimento desses ciclos era deter poder. A mulher afetada pela lua e seus ciclos, entrou em contato com o todo, o fluxo cósmico e se empoderou, foi crescendo nas relações e acordos. Os homens iam para guerra, guerras que duravam anos.. décadas longe de casa e próximos a bordeis e quando voltavam o poder estava nas mãos das mulheres, o conhecimento, a ciência.
Os Romanos com seu grande panteão de Deuses e Deusas também exerceram esse papel de se apropriar de Deusas dos povos que dominavam, e ir desidratando esse poder e essa imagem.
Deusas que na origem eram associadas ao povo, à sabedoria, ao provimento, à saúde, às artes da guerra e à inteligência, que depois passam a representar a maternidade submissa ao poder masculino e centralizador. Não por acaso, novamente, os herdeiros do império Romano, a Igreja Católica e o Cristianismo, continuam esses ensinamentos de perpetuação de poder, ou seja, conhecer, conquistar, suprimir e substituir (ver o caso de Santa Maria Sopra Minerva, na Itália, e o caso do Dualismo na cultura Kaingang,. ( https://claudyatoledo.com.br/dualismo-na-constelacao-sistemica-e-na-mitologia-dos-indios-kaingang/ ).
Esse processo contínuo de Conhecer, Conquistar, Suprimir e Substituir, praticado com afinco pela Igreja cristã foi levado a extremos com a inquisição e a punição pelas práticas de Heresia, ou seja, ser contrário ou praticar algo contrário aos dogmas e doutrinas praticados ou exigidos pelo poder religioso e patriarcal.
É comum, por outro lado, que as pessoas considerem que as mulheres que morreram na fogueira da santa inquisição eram cultas e praticavam a ciência possível na época. Para a fogueira iam mulheres de todos os tipos: as consideradas adulteras, as feias, as defeituosas, as que não podiam ter filhos, as que se colocavam contra o marido, ou qualquer homem investido de poder como padres ou senhores feudais e seus prepostos, as que, por contingências eram consideradas uma ameaça ao Status quo masculino. Mas é notório que a proporção de mulheres mortas pela Inquisição foi muito maior que a de homens. Em alguns casos essa proporção foi de milhares de mulheres para pouco mais de cem homens. Uma diferença muito grande. E mesmo nos casos dos homens, na maioria das vezes eles estavam de alguma forma associados com mulheres condenadas à fogueira.
Nunca deixou de haver uma luta, as vezes silenciosa, para que a mulher tivesse um reconhecimento de seu papel fundamental na sociedade humana. Pontualmente, mesmo dentro da Igreja, encontramos personalidades como Hildegard von Bingen (https://claudyatoledo.com.br/hildegard-von-bingen-parte-1/ ) e outras que, em sua época, nadaram contra essa maré e conseguiram sobreviver, embora o poder da igreja cristã tenha se apropriado de seus conhecimentos e de seu legado.
O que precisamos compreender é porque, em pleno Século XXI, a chamada era da informação, quando discutimos o empoderamento feminino e lutamos abertamente por isso, ainda encontramos a maioria das mulheres presas a processos patriarcais, algumas por vontade própria e outras sem querer se dar conta disso. Inconscientes e portanto inocente util de um sistema Mulheres que tem liberdade econômica, ganham seu próprio sustento, amarradas a processos de submissão a companheiros que não contribuem com esse empoderamento feminino. Mulheres que dependem de aprovação masculina para fazer suas escolhas e seus caminhos. Mulheres que se colocam atrás do medo de encontrar um caminho libertador e próspero. Porque elas não reagem? O medo de encontrar a felicidade as paralisa? Porque elas falam em empoderamento e se colocam presas nesses rituais de submissão, abuso e angustia?
Há que se ter compaixão e entender que são milhares de anos de supressão.
Mas essa compaixão não deve ser confundida como um aval para que permaneçam agindo sempre dessa forma, com medo de seus “companheiros”, de seus “Maridos”, de seus pais e irmãos, sempre pedindo a permissão de um homem para suceder.
Há que se ter respeito e entender que as escolhas são feitas e os caminhos se fazem, menos para quem tem medo de acreditar e dar um mergulho de fé e confiança na busca pelo respeito, dignidade e empoderamento feminino.